Educar além de informar: uma conversa com o professor Rodrigo Ratier sobre jornalismo e educomunicação

Jornalista, especializado em educação, com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo, Rodrigo Ratier é o novo professor de jornalismo digital da ECA-USP. Em entrevista para o Labidecom, o professor e colunista do UOL explica sua visão sobre a relação entre jornalismo e educação, além de questões como desinformação e educação à distância.

 


Labidecom: O jornalismo pode ser uma ferramenta de desenvolvimento de conteúdos educativos?

 

Rodrigo Ratier: Eu acredito que sim, uma das áreas de atuação da educomunicação é a educação para as mídias e o jornalismo eu acho que vem deixando a desejar nesse sentido. O que eu quero dizer com isso é que o jornalismo é uma ferramenta potente para explicar como o próprio jornalismo é feito, então hoje a gente vivencia esse contexto de desinformação e não tá claro talvez para o público que no caso do jornalismo há uma série de procedimentos como: entrevistar fontes e realizar pesquisas; a necessidade de cruzar fontes diferentes; analisar o peso das evidências. Tudo isso a gente pode tentar  explicar nas reportagens. Por exemplo: como a gente chegou lá, quem a gente ouviu para chegar lá, quanto tempo levou e o que a gente não descobriu, porque o discurso jornalístico tende a ser meio arrogante.

 

Labidecom: Em que sentido?

 

Rodrigo Ratier: Eu acho que essa impessoalidade, de tentar mostrar que o discurso jornalístico é feito para ser onisciente, pra não deixar dúvidas, e no fim das contas a gente apura uma coisa e acaba ficando com dúvidas, você e eu somos jornalistas e a gente sabe disso. A pergunta é “Por que a gente não mostra essas dúvidas pro leitor?”[…] Eu acho que é uma contribuição do jornalismo dizer para o leitor quando ainda se há incertezas sobre determinados assuntos. 

 

Pra tentar resumir a resposta da sua pergunta o que quero dizer é que uma atividade importantíssima do jornalismo para a educação é esse metadiscurso, falar sobre si próprio, deixar bem claro quais são os processos, quais são as diferenças entre os tipos de texto, por exemplo: se você tem um texto informativo, não custa nada colocar um rótulo escrito “notícia” ou “reportagem” e explicar o que é aquilo. Se você tem um texto opinativo, colocar “opinião”, “artigo”, “análise”. Tudo isso é educativo e a gente precisa mostrar para a população quais são esses conceitos envolvidos em uma profissão que é complexa

 

Labidecom: Então seria possível usar o jornalismo para além do informar, para educar também?

 

Rodrigo Ratier: Sim, eu acho que dá para informar e educar ao mesmo tempo. Eu acho que tem uma função clássica nos formatos mais didáticos, se a gente pensar nos programas educativos da televisão, no jornalismo explicativo, aquele que visa traduzir temas mais complexos para uma forma simples, também tem muito a ver com a educação, com esse didatismo. Uma aula, por exemplo, é uma tentativa de você ordenar, e nesse sentido simplificar um tema complexo, mas sem distorcer, para uma audiência que está se especializando, no caso os alunos. É um trabalho parecido com o trabalho jornalístico que visa também trazer temas que podem ser difíceis, vamos usar por exemplo: explicar para um público que não tem especialização como se compõem os índices de inflação  ou explicar o que significa uma explicação judicial do STF (Supremo Tribunal Federal)  para um público que até um tempo atrás desconhecia essa instância de poder no Brasil. Então eu acho que falando de si próprio, com o jornalismo explicativo, há várias possibilidades do jornalismo educar além de informar.

 

Labidecom: E no caso dessa questão das pessoas que estão se especializando, como é a sua visão justamente disso? A internet está aí e as pessoas são livres para opinar, escrever, falar… Sobre a questão da responsabilidade ética que muitas pessoas não temem e disseminam conteúdo sem responsabilidade alguma, há uma falta de educação jornalística quando elas querem opinar?

 

Rodrigo Ratier: Eu acho que essa é uma parte da questão. A outra parte é que existe um discurso interessado em promover mentiras, seja por motivações políticas ou econômicas ou mesmo para ver o circo pegar fogo, como a gente diz: para causar disrupção social. Então eu acho que isso não pode ser debitado apenas no “falta educação jornalística”. Eu acho que a desinformação, que é esse fenômeno que você exemplifica, ele veio pra ficar, a medida que há um aumento gigantesco do número de emissores, pois foi isso o que as redes sociais propiciaram, você vai ter uma pulverização do discurso e esse discurso nem sempre vai ter qualidade. 

 

O que eu acho que precisa ser feito, cada vez mais tentar mostrar e avançar, nesse sentido, de fazer um jornalismo de melhor qualidade, para que a diferença entre os relatos seja tão gritante que as pessoas deixem de ter dúvida. As pessoas que quiserem se informar podem recorrer ao jornalismo profissional, ou seja, reforçar essa dimensão profissional do jornalismo. Porém, muitas pessoas aderem às notícias falsas porque isso combina com o jeito delas de verem o mundo, a questão da bolha social, então é um assunto complicado em que educação é uma parte da solução.

 

Labidecom: Então o problema é mais profundo, porque quando você diz que tem partes interessadas nessa desinformação e que é preciso de um jornalismo de melhor qualidade para o público perceber a diferença de um jornalismo profissional, a educação é necessária para melhorar a percepção das pessoas sobre a necessidade de um bom trabalho jornalístico.

 

Rodrigo Ratier: Claro, essa é uma das razões pela qual a educação midiática não está plenamente disseminada no Brasil. Você tem essa educação nos documentos oficiais, como na Base Nacional Comum Curricular, que é uma espécie de guia para as escolas nas diversas etapas de ensino, mas na prática isso não se materializa. Primeiro porque os professores não têm a formação adequada e o número dois esbarra nisso que você tá falando, falta vontade política pra fazer esse tipo de educação midiática.

 

Mas eu queria reforçar o seguinte, o problema da desinformação é complexo e exige um esforço social que passa pela educação e pelo jornalismo, mas passa também pela tecnologia, com a regulação das plataformas, com o banimento de perfis — eu penso dessa maneira —  que recorrentemente usam a desinformação, sejam bots ou perfis verdadeiros que disseminarem notícias falsas. Eu não acho que existem perfis que abusam desse direito, já que a liberdade de expressão é um direito relativo a outros direitos, não é um direito absoluto. Então se a liberdade de expressão se choca com o direito à vida, por exemplo, ela precisa ser controlada, muitas vezes é isso. Então a desinformação passa pela educação, jornalismo, tecnologia, Estado e também pela sociedade civil, já que as pessoas precisam tomar esse problema nas suas mãos também.


Labidecom: Essa é uma opinião polêmica, afinal o banimento de perfis não seria controlar o acesso das pessoas a essas ferramentas midiáticas?

 

Rodrigo Ratier: Claro que seria,  mas o diálogo tem regras. Você pode entrar na sala de aula e sair me xingando? Não pode, porque tem regras de boa convivência. Se você me xinga em sala de aula, joga um giz na parede e depois me dá uma cadeirada, eu preciso ir tomando também atitudes mais drásticas para conter suas ações. Então quando se fala do banimento de perfis, é uma ação mais pra frente, certamente pra quem é recorrente ou tem muitos seguidores. Um perfil com maior quantidade de seguidores precisa ser mais fiscalizado, pois pode causar mais danos, por exemplo, o perfil do Bolsonaro precisa de mais fiscalização do que o seu perfil.

 

Labidecom: Professor, trazendo outro tópico, eu gostaria de falar sobre o ensino remoto. Na educomunicação nunca houve tanta interação com a mídia como no período da pandemia. Você que é professor e eu que sou aluno sabemos que o ensino remoto tem os seus prós e contras. Você acha que a educação online é mais benéfica ou mais maléfica para a educação?

 

Rodrigo Ratier: Eu acho que depende do tipo de ensino que a gente tá falando, da faixa etária e da qualidade da formação que se está oferecendo. Então vamos aos pontos positivos: a educação à distância possui o fator democratizante. Você pode estar do Maranhão assistindo uma aula minha online, então é uma possibilidade que é muito benéfica, como por exemplo de não estar mais restrito ao território para ter uma educação de qualidade. A quantidade de cursos online com uma boa qualidade é muito grande, você pode acessar Harvard, MIT, etc. a preços muito módicos ou até mesmo de graça. Outro ponto a ser considerado são os tutoriais na internet, eu mesmo mudei de casa e aprendi sobre lâmpadas e realizar a troca de diferentes tipos de lâmpadas, tudo pelo youtube. Eu considero isso uma EAD informal, pensando em um sentido amplo, podemos considerar isso uma educação à distância.

 

Então onde as coisas complicam? Na educação formal, ou seja, no ensino regular que é a educação fundamental, ensino médio, graduação. Nessas três etapas eu acho muito complicado o EAD, porque você perde algumas características fundamentais da educação que são a possibilidade de interação e de trabalho em grupo. A gente aprende muito dessa maneira, desde o aluno com o professor e na interação do aluno com o aluno, muitas vezes o conhecimento é construído por estas interações do que o professor passando os slides, ou seja, o EAD reduz esse entendimento do que é educação. Ela reduz para um conceito muito passadista de você entender a aula como o professor sendo o detentor de conhecimento, transmitindo esse conhecimento para o estudante. A gente sabe que hoje não é assim que funciona, o conhecimento é construído, ele é apropriado de várias maneiras, muitas vezes de forma coletiva. Muitas soluções e inovações nascem dessa troca, dessa riqueza. A competência social também nasce disso, então tenho muitas reservas quanto ao uso do ensino remoto nessas três etapas da educação: fundamental, médio e graduação.