Ismar Soares é filósofo, professor, jornalista, pesquisador, doutor em Comunicação, fundador do Núcleo de Comunicação e Educação (NCE), presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom) e um dos fundadores da Licenciatura em Educomunicação da Universidade de São Paulo (USP).
Em entrevista para o Labidecom, o professor explica sua visão sobre a Educomunicação na América Latina. Confira:
Labidecom (Gabriela Malara): Professor, é possível explicar o que é a Educomunicação com poucas frases? Sabemos que o termo foi oficializado pelo senhor. Onde é possível encontrar esse dado?
Ismar: Bom, se alguém quiser definir a Educomunicação rapidinho, poderá defini-la como o espaço em que a gente se sente muito bem. A gente intercambia informações, propostas, desejos, utopias, a partir da perspectiva de uma comunicação democrática participativa voltada à expressividade e à cidadania. Se tomarmos em conta esses elementos, nos aproximamos daquilo que se chama de “prática educomunicativa”. Porque, na verdade, nós estamos falando de comunicação e educação, de inserção no mundo, e essa inserção é feita a partir de projetos, de programas, com metodologia bem definida e especialmente, de uma teoria que permite avaliação permanente. Então, nós falamos sempre da coerência entre teoria e prática, o que garante a manutenção do conceito, sua difusão, e a ideia de que esse conceito possa estar presente em diferentes espaços, com pessoas em lugares muito distantes, mas conectadas a uma mesma vontade, com o mesmo desejo e a mesma utopia, a utopia de transformação social pelo diálogo.
O que foi feito pelo NCE (Núcleo de Comunicação e Educação), foi usar uma expressão da Unesco, (educommunication) ressemantizá-la para dizer: “para nós, Educomunicação significa esse tipo de comunicação cruzada com esse tipo de educação e com determinadas especificidades que geram uma terceira forma de ver o mundo, de interferir no mundo. A essa terceira maneira estamos designando ‘Educomunicação’.”
Em julho de 2021, a Academia Brasileira de Letras reconheceu o neologismo “Educomunicação” como um substantivo (o neologismo na língua portuguesa). E vai usar para defini-la como o fez o Núcleo de Comunicação e Educação, em 1999, dando uma nova uma nova significação à palavra. Porém, quem nesse período todo estivesse usando a palavra “Educomunicação” podia fazê-la ao seu bel-prazer, porque o dicionário não dizia exatamente do que se tratava (nem estava no dicionário), e tínhamos, na verdade, muitas pessoas usando a palavra “Educomunicação” para designar tecnologias educativas na educação, por exemplo: alguns cursos de especialização (ainda fazem isso no Brasil). O NCE e sua tradição, corriam o risco de que, o conceito de Educomunicação ressemantizado com determinado conteúdo, pudesse ser usado de forma diferente (quando viesse a ser reconhecido por alguma autoridade). É importante salientar que a Academia Brasileira de Letras (ABL), ao reconhecer esse substantivo, vai usar a definição que o NCE construiu em 1999..
A fonte que confirma o dado da Academia Brasileira de Letras está no site do ABPEducom (Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação). Se vocês colocarem “Academia Brasileira de Letras” na busca de notícias, vai aparecer a informação com todos os detalhes.
Labidecom (Gabriela Malara): Qual é a diferença entre a Educomunicação estudada no Brasil e a de outros países da América Latina (por exemplo, a Bolívia)?
Ismar: Se nós olharmos para a América Latina, vamos observar um fato extraordinário chamado de “confluência”. Existe uma confluência nos diferentes países da América Latina sobre o pensamento Educomunicativo. Veja bem: não é que o NCE tenha criado a Educomunicação, mas ele sistematizou e adotou o nome. A partir desse fato e da difusão do trabalho na América Latina, e levando em consideração especialmente que a pesquisa do NCE envolveu especialistas e lideranças na interface comunicação e educação de 12 países, que receberam os resultados da pesquisa e congressos ocorreram na sequência… No ano 2000, por exemplo, tivemos um grande congresso em Bogotá, quando encontramos, especialistas em comunicação e educação e em Educomunicação de toda a América Latina e tivemos um bom debate. Tivemos a presença de um pesquisador chamado argentino, Jorge Huergo, já falecido, que escrevia sobre Educomunicação, mas que preferia falar do campo da comunicação/educação. Ele expôs isso no congresso e eu defendia naquela época a “Educomunicação” e expus a razão. Nos relatos sobre este congresso, que foi feito na Universidade Central de Bogotá, esse confronto circulou: “Opiniões dizem que, opiniões dizem aquilo, outras perspectivas…”. Isto é, havia muita discussão e, efetivamente, estamos diante de uma nova realidade. Vamos chamar isso de campo de “comunicação e educação” ou vamos chamar isso de “Educomunicação”? Então isso foi no início dos anos 2000. Posteriormente a isso, foi se consolidando na América Latina a palavra, o conceito “Educomunicação”. Nós tivemos na Escola de Comunicações e Artes, a professora Maria Aparecida Baccega, que também não apreciava muito a palavra “Educomunicação”, preferia falar do “campo da comunicação/educação”, mas isso não impedia o diálogo. Então nós tínhamos a revista Comunicação e Educação, que trabalhava e difundia artigos de Educomunicação e nós estávamos falando a mesma coisa, só que a discussão era conceitual nominar.
Aí à pergunta: “é diferente na Bolívia? É diferente no Peru?”. Eu diria o seguinte: a discussão que se dá nos países não está, na verdade, entre diferentes “Educomunicações”, mas entre “Educomunicação” e “Educação Midiática”. Por quê? Porque o conceito de Educação Midiática, vai emergir no mundo já nos anos 60, 70 e vai ganhar oficialidade em 80. Em 1980, a Unesco faz um grande congresso na Alemanha e dá início a um programa internacional de Media Education, (a Educação Midiática), que vai ganhar especificidade. A Unesco vai colaborar para que isso ocorra porque tinha como propósito que todos os países do mundo implementassem a Educação Midiática e os Estados Unidos colaboravam com a Media Literacy do seu lado, e programas foram sendo feitos. No ano de 2010, a Unesco, em um dos seus congressos, lamentou que infelizmente houve pouco progresso. Ocorreram poucas mudanças entre 1980 e 2010. Então, a partir de 2010, a Unesco começou a fazer um gigantesco trabalho de difusão do conceito de Educação Midiática. Simultaneamente, em muitos lugares da América Latina, organizações começaram a surgir até com o apoio da própria mídia. Surge no Brasil o Instituto Palavra Aberta. Esse Instituto é mantido pelas corporações midiáticas para fazer o quê? Defender o direito de expressão. Mas, a partir de alguns encontros, congressos e alguns debates, a coordenadora do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, identificou que o Instituto poderia trabalhar com a Educação Midiática e criou um programa de Mídia-educação. Então, o conteúdo da Mídia-educação da Palavra Aberta é o mesmo conteúdo da própria Unesco, é o mesmo conteúdo de organizações como a Alfamed e outras tantas no mundo e na América Latina.
É uma área que está em expansão, que inclusive, a partir de janeiro de 2023, ganhou em Brasília um departamento junto ao Governo Federal, estabelecido justamente para apresentar a Educação Midiática. Portanto, o conceito de Educação Midiática está muito forte hoje. E as pessoas se perguntam: qual é a diferença entre Educação Midiática e Educomunicação? Então, alguns acham que os referenciais da Educação Midiática já são suficientes para avançar em programas, especialmente junto à educação formal nas escolas. Outros acham que a partir da Educomunicação fica mais fácil, mais concreto e mais sólido trabalhar com a Educação Midiática. A questão está colocada: algumas pessoas, em algum momento, estavam entendendo que havia uma competição entre os conceitos, que havia quem os defendesse de uma forma apologética que, portanto, havia conflito entre esses dois conceitos. Isso tudo passa pelo imaginário de muitas pessoas. […] Diante de tudo isso, o debate se coloca, debate esse, que é muito profícuo e muito bom que aconteça, porque permite que se discuta uma coisa fundamental – a relação das pessoas com o sistema midiático.
A Educomunicação chega para dizer que não basta discutir o sistema midiático. É importante começar a discussão pelas nossas relações de comunicação. E, a partir das nossas relações, podemos chegar às relações de terceiros, à relação do mercado e à grande mídia. Mas, em algum momento, nos cruzamos, a Educomunicação trabalha com os conceitos e as ferramentas da Educação Midiática; muitas vezes a Educação Midiática pede ajuda para a Educomunicação para implementar suas ações. Então, eu diria que a pergunta que foi me feita no começo sobre a diferença entre a Educomunicação aqui e na Bolívia, por exemplo, eu diria que não há diferença, porque nós aprendemos com a Bolívia, nós aprendemos com o Peru, nós aprendemos com o Equador, com a Colômbia, nós aprendemos com os educomunicadores (assim chamamos essas pessoas hoje: os educomunicadores da América Latina) e eles aprenderam conosco, porque um dos grandes inspiradores era o educador brasileiro Paulo Freire. Outro inspirador era Mario Kaplún, o argentino que viveu na Venezuela e depois se estabeleceu no Uruguai. Os dois fariam 100 anos, se estivessem vivos.
Nós podemos observar que existe uma difusão de informações, de consolidação, de debates, em torno da prática educomunicativa e, naturalmente vão existir perspectivas de entendimento da Educomunicação de formas diferentes, daí, a necessidade que se tem de defender a perspectiva da ressemantização de 1999 e, estamos atentos para fazer o confronto com o que não é exatamente aquilo que nós não admitiríamos como Educomunicação,o que leva à necessidade de defesa do conceito. E essa defesa se faz colaborativamente, de modo que, não há diferença entre a Educomunicação na Bolívia e no Brasil, existe muita colaboração entre os educomunicadores de toda parte, o que fortalece o conceito cada vez mais, novos projetos estão surgindo e demandando colaboração.
Labidecom (Gabriela Malara): Ter uma palavra (Educomunicação) para definir o campo, torna o campo em si, mais forte?
Ismar: Olha, eu sou suspeito para falar sobre isso, levando em consideração a minha condição de sistematizador. Quando eu falo da minha condição de sistematizador, não estou falando da minha pessoa exatamente, estou falando das 25 pessoas que colaboraram nesta pesquisa, que foi uma pesquisa muito forte, patrocinada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) que contou com um grupo grande de colaboradores. Estive na coordenação, então tomo a liberdade de me expressar dizendo que eu sou uma pessoa que não teria uma resposta diferente daquela que eu posso dar agora. Na época que nós conseguimos identificar a emergência de um conceito, nós achamos que era necessário, urgente, que isso tivesse um nome. Por quê? Porque nós poderíamos estar de uma forma mais leve, mais solta, falando, por exemplo, em comunicação popular, falando em educação popular e poderíamos estar falando de termos que têm muitos significados, muito abertos. Então, todo mundo estaria nesse jogo.
Quando tomamos um conceito, temos clareza do seu significado, dos seus limites e sabemos o que é, o que significa mantê-lo coerente e proceder à relação de fidelidade entre teoria e prática, temos que saber os limites. Então, uma Educomunicação jamais permitiria qualquer ação que não fosse dialógica, que não fosse participativa. Os conceitos básicos têm que estar presentes, estes conceitos estão presentes em outras áreas do comportamento humano. Mas, quando unimos todos os elementos constitutivos do conceito para expressar isso, necessitamos de uma palavra e Isso não significa que não dialogamos com conceitos semelhantes, próximos, pois, o que nos interessa é ampliar cada vez mais essa prática. Porém, para identificarmos se isso é coerente com o conceito é uma denominação. Na verdade, um paradigma, que é uma orientação, um princípio, ou conjunto de princípios, que orientam o comportamento,a atitude. Sendo assim, é possível encontrar várias definições. Eu mesmo, em textos que vou descrevendo e, às vezes, quando vejo citações, vou buscar os meus textos de outros anos, porque a gente vai evoluindo,conversando, alterando termos, expressões, porém, a essência está ali e não se pode fugir dela. Assim, em termos pedagógicos, estruturais e estratégicos é necessário que tenhamos um conceito claro que defina a Educomunicação.
Labidecom (Gabriela Malara): A Educomunicação como paradigma é consenso na América Latina?
Ismar: Olha, não é consenso. Na medida em que o termo até agora é neologismo e talvez na língua espanhola também seja um neologismo. Não sei se alguma academia em língua hispânica, já definiu o termo para constar de algum dicionário e, se você for buscar na revista Comunicar, que é a mais importante revista de comunicação e educação do mundo, que publica em espanhol, inglês, português e chinês (sendo que em português e em chinês, só os resumos), vai encontrar que desde 2000, aparece o termo Educomunicación. Porém, no início, designava a Educomunicación como “tecnologia de educação”; quando queria falar em pedagogia, usando as tecnologias, falava em Educomunicación. Por isso que o Professor Aguaded (Ignacio Aguaded) sempre disse que a revista Comunicar era a “revista da Educomunicación”. Mas de que Educomunicación? Era do uso das tecnologias para os processos educativos. No entanto, a partir de 2016, 2017, o próprio Aguaded fez uma pergunta para mim: será que já conseguimos ter um consenso em torno do significado desse termo na Iberoamérica? E essa pergunta veio da própria revista, através do professor. Na verdade, não para a revista, mas para a associação que ele preside (a Alfamed) e eu fui falar sobre isso em um congresso na República Dominicana. Estou falando da pesquisa que eu fui convidado a fazer pelo Aguaded, dos textos publicados na Espanha, Portugal, Brasil e América Latina, se havia uma coincidência de conceitos. E, na verdade, eu cheguei a propor que já havíamos alcançado, 20 anos após a sistematização proposta pela NCE, a universalização do conceito. Isto é, a universalização do ponto de vista de que os pesquisadores que não necessariamente convivem, que não usam as mesmas fontes, quando falam de Educomunicação, vão defini-la da mesma forma, pois, se eu penso em Mario Kaplún, em Paulo Freire e os que estão ali trabalhando e são conhecidos, vamos observar que chegamos a um conceito que a própria revista Comunicar passa a adotar. Não que ela em determinado momento diga: “a partir de agora…”. Não é assim, mas nos artigos que começam a ser publicados, o conceito de Educomunicação passa a ser o mesmo usado por especialistas latino-americanos e ibero-americanos. […] Eu tenho um texto que fala da universalização do conceito de Educomunicação, que foi solicitado a mim pelo Professor Aguaded e que eu elaborei a partir da consulta a textos de autores com os quais eu não convivia, portanto de outras origens, de outros âmbitos, apontando para uma convergência. Então, esse fato somado ao fato de que a Academia Brasileira de Letras (a ABL) reconhece o conceito com essa denominação, com essa explicitação, encontramos a mesma explicitação na literatura que circula hoje. Então, isso é um fato promissor que veio somar-se aos esforços que estão sendo implementados. […] A partir disso, fica mais fácil identificar quem está usando o conceito de outra maneira. Todo mundo é livre. A palavra está aí. Para alguns, ainda continua sendo neologismo. Porém, eu já consigo encontrar um curso oferecido pela universidade, uma especialização,catalogá-la e dizer que esse curso trabalha com tal conceito a partir dessa perspectiva, que não é a perspectiva hegemônica que está se criando a partir da literatura e a partir da incorporação por organizações sociais. Então, hoje, fica mais fácil identificar quem é quem nesse universo.
Isabela Xavier: Achei muito bonito quando o senhor falou que a Educomunicação não é diferente porque nós aprendemos com eles. O senhor acha que isso vem de uma história semelhante? Ou de algo anterior? Não vou dizer “místico”, mas de culturas relacionadas e que cresceram de um mesmo lugar.
Ismar: Algo místico, certo? Você está achando que a Educomunicação caminha para a mística. E eu vou dizer que sim, caminha. Na verdade, quando você sonha, quando você tem perspectiva, quando você tem desejos… Por exemplo: o conceito de “pátria”, o “amor à pátria”, é um conceito místico. É um território, como outro qualquer. Você olha a terra que está pisando aqui, se vai nos Estados Unidos da América tem uma terra lá que é muito semelhante. A terra, a água… Mas quando se fala em Brasil, quando se fala em Paraguai, quando se fala em Bolívia, a vibração das pessoas em torno dessa palavra que denomina o território, e denomina especialmente uma cultura… Que é a cultura latino-americana. É uma cultura muito própria. Ela é aterritorial. É claro que vai existir algum modismo argentino, algum modismo uruguaio, especialmente depois de vitórias e derrotas no futebol. Mas, o latino-americano se sente latino-americano em qualquer parte do território. Aqui, na verdade, existem coisas que unem o povo desse espaço e a cultura que une esse espaço vai ter muitas características presentes na música, na dança, nas formas de comportamento, nas visões do que seja o mundo, do que seja o “estar no mundo”, trabalhar com os recursos presentes… E isso circula, circula na chamada “Veia Latino-americana”, pois, foi justamente nessa Veia, ou a partir dessa Veia Latino-americana, que houve movimentos insurgentes. Em espanhol: insurgencia. Movimentos revolucionários, movimentos de luta por identidades, de luta por pertencimentos… Hoje chamadas “lutas decoloniais”, que é uma expressão muito nova, que trata das lutas contra o domínio colonial, não o domínio colonial de Portugal e Espanha do passado, mas o domínio colonial que está aqui presente, que continua, especialmente a partir do fato de que éramos os países chamados “subdesenvolvidos”; agora em “fase de desenvolvimento” e alguns acreditando que “já somos desenvolvidos”, mas submetidos a odes internacionais, que estão aqui, na verdade, empobrecendo o continente, levando nossas riquezas e explorando nosso continente. Então, o que acontece é que a insurgência latino-americana passou pela comunicação e surge aquilo que nós denominamos de “comunicação popular” (próxima à “educação popular”). A comunicação popular esteve presente desde os anos 30, 40, 50, mas a gente sempre se lembra dos anos 70, porque é mais próximo da nossa lembrança e aí vamos encontrar no passado desse continente uma insurgência que passa pela música, pela dança, pelas reuniões, pela formação de grupos, na defesa dos territórios, na defesa dos direitos que cada um tem. E, essas pequenas insurgências em todo o continente carregam elementos muito semelhantes, que Paulo Freire vai identificar e sistematizar, olhando a realidade e vendo como as coisas acontecem, o mesmo ocorrendo com Mario Kaplún.
Assim, o que acontecia e o que ainda acontece é que os latino-americanos se reconhecem nessa luta. Se reconhecem como batalhadores e guerreiros nessa luta de emancipação pela comunicação popular, que vai gerar a raiz da Educomunicação. […] Mas existe uma história que está na base e hoje está ganhando evidência a partir do conceito do Bem Viver, o Buen Vivir, que significa “uma aliança com a Pachamama, uma aliança com a Mãe Terra”, um resgate da ecologia, o pensamento ecológico que hoje aponta para essa necessidade.
Pode-se dizer que o conceito de Educomunicação não é simplesmente o conceito que está no dicionário hoje, ou que é reconhecido por instituições, ele é fundamental porque está na prática. Só que essa prática não tinha um nome, essa prática era um exercício, pois, como existia uma comunicação, comunicação de massa, comunicação organizacional, alguns chamavam de comunicação popular, mas essa comunicação popular era muito sólida, tinha muitos produtos, mobilizava as pessoas e, quando você consegue articular isso em todos os territórios e alguém da Bolívia, do Chile, da América Central se reconhece e sabe que esse procedimento está na América Latina inteira, nós vamos perceber que a Educomunicação une a América Latina. A multiplicidade dos que se envolvem com Educomunicação é a multiplicidade dos que se reconhecem latino-americanos nessa luta emancipatória pela comunicação à maneira latino-americana, que é a maneira dialógica, participativa e assim por diante. […]
A grande missão de agora, que nós aqui da Licenciatura temos que tomar, nós aqui da Licenciatura, é o diálogo com outras estruturas universitárias da América Latina, para mostrar a nossa experiência; como nós trabalhamos para formar esse profissional, isso é muito importante, pois, a América Latina está precisando dessa ajuda. […] aí a necessidade de congregar pessoas, identificar quem faz o que e levantar programas de formação também. Então, existe uma pergunta na América Latina: o que o Brasil está fazendo sobre a formação de educomunicadores?
Labidecom (Gabriela Malara): O senhor acha que a diferença de idioma entre nós, que falamos português, e outros países da América Latina, que falam espanhol, nos afasta de alguma forma?
Ismar: Não, não. A questão da língua não nos afeta, não afeta a Educomunicação. Na verdade, a Educomunicação se dá nos territórios onde as línguas são faladas e onde circula a literatura, já que os que estão produzindo são pessoas bilíngues, escrevem em espanhol, escrevem em português e os textos circulam com muita facilidade. Os estudantes brasileiros têm acesso ao espanhol sem dificuldade nenhuma. Os espanhóis têm mais dificuldade em ler o português do que nós de lermos o espanhol, porém, isso não afeta Além disso, os intercâmbios estudantis, têm sido muito importantes, de modo que o idioma não afeta a prática da Educomunicação, aliá., traz riquezas, porque cada cultura tem as suas diversidades, suas especificidades e nós podemos continuar avançando.
Labidecom (Gabriela Malara): O que o senhor diria para os novos educomunicadores e educomunicadoras que estão surgindo?
Ismar: Na verdade, a expectativa que o país está nos oferecendo, que a América Latina está oferecendo a nós, educomunicadores (aos mais antigos e aos novos que estão surgindo, especialmente aos novos que estão se formando), no sentido de que estejam atentos ao clamor da América Latina no Brasil pelo seu serviço de articulação. O educomunicador é um articulador por excelência. Isso está no seu DNA. Essa articulação significa, na verdade, articulação de conhecimentos, vamos buscar informações onde estejam, portanto, é muito importante que o estudante brasileiro, o estudante de Educomunicação no Brasil tenha acesso à literatura latino-americana e mesmo universal sobre Educomunicação e tenha já um poder de intervenção nesse universo. O educomunicador, ainda que jovem, já tem o que dizer, porque se supõe que quem é educomunicador esteja envolvido em alguma prática, pois, se não estiver, precisa tomar uma providência urgente, porque o educomunicador está sempre a serviço e em serviço. É necessário sistematizar o que cada um faz, historicizar essa ação, contar suas próprias histórias, porque é a soma das histórias de cada educomunicador que dá esse universo de conhecimento que permite que a gente se envolva.
Eu diria para o novo educomunicador que ele é uma peça essencial para qualquer tipo de transformação em qualquer área da vida social, porque as diferentes áreas da vida social necessitam de diálogo, de participação, de compromisso cidadão. […] Eu diria que o educomunicador é um profissional essencial, ele necessita se habilitar permanentemente. Essa habilidade, habilitação permanente, significa, claro, dominar novas linguagens, o que puder avançar nas linguagens, avance, mas especialmente avançar na multiplicidade de experiências. Trabalhar em diferentes áreas, que a prática educomunicativa se dá. Se for o caso, apresente-se como voluntário em experiências que estão nascendo. Muitas vezes o educomunicador jovem gostaria que já tivesse pronto um serviço para ele e ele se candidataria àquele serviço. Nós diríamos o seguinte: o serviço existe, mas nem todos sabem que o educomunicador pode cumprir aquele serviço. É importante que a gente esteja presente, que a gente demonstre o caminho a seguir. Então, nós dizemos que o estudante de educomunicação, o novo profissional, tem que se somar aos seus professores, se somar àqueles que criaram este curso, para juntos promoverem de forma mais forte o conceito. A Licenciatura em Educomunicação, por exemplo, tem uma missão, a missão de multiplicar aquilo que foi dado a cada aluno, cada aluno recebeu uma herança aqui, herança que é das pesquisas dos seus professores, dos núcleos de pesquisa […]
O importante é que os alunos do curso, necessitam multiplicar aquilo que o curso oferece e levar tudo isso para a sociedade. É essencial identificar quem faz o quê em termos de Educomunicação no Brasil e ir buscar esses dados para que, através dessas articulações, possam se aproximar, enriquecer a si próprios, enriquecer a própria prática de Educomunicação no Brasil. Então, eu parabenizo a sorte que os novos educomunicadores têm de já encontrarem uma plataforma a partir da qual poderão conquistar o mundo.
Roteiro, Produção, Entrevista e Revisão: Gabriela Malara
Roteiro e Transcrição: Gabriel Germano
Fotos: Victoria Giovanna dos Santos Novoa e Thais Bandeira Laia
Orientação e Revisão Final: Lucilene Cury
Agradecemos aos e às estudantes da disciplina Metodologias para a Pesquisa Científica em Educomunicação por auxiliarem e por estarem presentes durante a entrevista.
Essa entrevista é parte das atividades propostas pela Professora Dra. Lucilene Cury – Responsável pela Disciplina, para a turma do 2º semestre de 2023.
São Paulo, dezembro de 2023.